Topo

Tales Faria

Generais negociaram com Bolsonaro abrandar referências ao golpe de 64

Tales Faria

31/03/2019 17h30

Liderados pelo ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, os comandantes militares negociaram com o presidente Jair Bolsonaro não haver comemorações formais dos 55 anos do golpe de 31 de março de 1964.

Segundo alguns oficiais generais ouvidos reservadamente pelo blog, os militares não queriam transformar a efeméride num novo movimento pró-ditadura, nem incentivar protestos pelo país contra a atuação das Forças Armadas entre 1964 e 1985.

Não havia espaço para se rebelar contra a ideia inicial do presidente da República de comemorar a data. Foi acertado um meio termo. Acabaram ocorrendo na quinta-feira (28) e na sexta-feira (29) eventos sem estardalhaço dentro dos quarteis, focados nas formaturas mensais de diversos órgãos militares.

Os comandos regionais convidaram umas poucas autoridades civis para seus eventos naqueles dias.

Hoje, praticamente não houve referência nos quarteis ao assunto.

Foi negociado com o presidente que, diferentemente de outras ocasiões, desta vez seria lida uma ordem do dia assinada pelo ministro da Defesa e pelos comandantes gerais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. O texto foi oficialmente  divulgado hoje.

Reforça uma posição já generalizada no meio militar de que o golpe foi em reação a um suposto risco de radicalização das forças de esquerda no país. Mas também manda um recado para a direita:

"Em 1979, um pacto de pacificação foi configurado na Lei da Anistia e viabilizou a transição para uma democracia que se estabeleceu definitiva e enriquecida com os aprendizados daqueles tempos difíceis."

E, mais adiante:

"As Forças Armadas (…) em estrita observância ao regramento democrático, vêm mantendo o foco na sua missão constitucional e subordinadas ao poder constitucional, com o propósito de manter a paz e a estabilidade, para que as pessoas possam construir suas vidas."

Ou seja, nada de aventuras antidemocráticas.

Essa mesma postura, digamos, mais equilibrada dos militares tem se saído vitoriosa sobre os bolsonaristas radicais nas decisões mais importantes do governo. Pelo menos até agora.

No caso da Venezuela, contra o alinhamento radical às propostas intervencionistas dos EUA, defendido pelo ministro Ernesto Araújo (Itamaraty), valeu a posição do vice-presidente, o general Hamilton Mourão.

Ele acabou comandando pessoalmente as negociações sobre o assunto quando EUA e Colômbia promoveram uma proposta de "ajuda humanitária" rechaçada pela Venezuela.

No caso da ideia de transferência da embaixada do Brasil em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, também saiu vitoriosa a posição moderada dos militares.

Com o apoio dos ministérios da Agricultura e da Economia, defenderam que o Brasil estaria se inscrevendo em um conflito que não lhe cabe e sem ganhar nada em troca. Pelo contrário, perdendo mercados e podendo atrair a ira de radicais islâmicos.

Acabou vingando o anúncio de apenas um escritório comercial em Jerusalém formalizado hoje pelo presidente.

Mas outros embates entre os militares e os bolsonaristas radicais ainda devem ocorrer neste governo.

Os filhos de Bolsonaro defenderam o golpe nas redes sociais. O mais novo, reproduziu um vídeo em defesa do movimento que também foi divulgado por um dos canais oficiais do Palácio do Planalto.

O guru da família, Olavo de Carvalho, continua a atacar os generais quase que diariamente no twitter.

Hoje, postou:

Hoje, o que os bolsonaristas conseguiram de fato foi incentivar alguns protestos de rua contra o golpe:

Sobre o autor

Tales Faria largou o curso de física para se formar em jornalismo pela UFRJ em 1983. Foi vice-presidente, publisher, editor, colunista e repórter de alguns dos mais importantes veículos de comunicação do país. Desde 1991 cobre os bastidores do poder em Brasília. É coautor do livro vencedor do Prêmio Jabuti 1993 na categoria Reportagem, “Todos os Sócios do Presidente”, sobre o processo de impeachment de Fernando Collor de Mello. Participou, na Folha de S.Paulo, da equipe que em 1986 revelou o Buraco de Serra do Cachimbo, planejado pela ditadura militar para testes nucleares.

Sobre o blog

Os bastidores da política pela ótica de quem interessa: o cidadão que paga impostos e não quer ser manipulado pelos poderosos. Investigações e análises com fatos concretos, independência e sem preconceitos.