FHC teme Eduardo Bolsonaro e “avanço de sinal” no acordo com os EUA
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defende cautela do governo brasileiro em relação à proposta do presidente dos EUA, Donald Trump, de um acordo de livre comércio entre os dois países.
"Acredito ser prudente o governo brasileiro não avançar o sinal sem ter mais detalhes sobre os termos da negociação", disse FHC ao blog. "O interesse americano no acordo segue sua linha de bilateralismo e de afastamento de interesses comerciais da China, com todas as consequências complexas disso para o mundo", explica.
O ex-presidente também acha que a provável indicação para embaixador do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República, pode inibir a defesa clara dos nossos interesses.
"A nomeação de um não profissional para embaixador nos EUA é sempre arriscada, pois as questões a serem negociadas requerem conhecimentos técnicos. Não conheço o candidato Eduardo Bolsonaro. Pelo que li, sua formação não o dota de conhecimentos específicos. Já a familiaridade com Trump, a existir mesmo, poderia ser favorável às negociações desde que a amizade não inibisse a visão clara do interesse nacional. Abrirá espaço, eventualmente, a acusações de nepotismo", disse.
Quanto ao acordo do Mercosul com a União Europeia, o ex-presidente vê risco de os franceses ainda resistirem.
FHC lembrou também ter resistido a uma proposta mais ampla dos EUA, feita em 1994 pelo então presidente daquele país, seu amigo Bill Clinton.
Durante a primeira reunião da cúpula das Américas, em Miami, Clinton propôs uma Área de Livre Comércio das Américas, a Alca. A ideia era eliminar as barreiras alfandegárias entre os 34 países do continente.
Os EUA pressionaram por um acordo rápido. O Brasil resistiu. Em 2001, na terceira reunião da Cúpula das Américas, FHC fez um discurso duro.
Mais tarde, já no governo Lula, a oposição à Alca se tornou também política. Em resposta, o governo americano passou a fazer acordos bilaterais.
"Nossa preocupação principal era evitar que a proposta servisse para marginalizar o Mercosul, base de nossa política sul-americana. E, sobretudo, que as negociações seguissem o que então se chamava em linguagem diplomática de 'single understanding' (entendimento em bloco). Ou seja, fazer uma negociação que atendesse às preocupações de todos os países e não apenas às de um", explica o ex-presidente.
Quando cita o risco de predomínio do interesse "de um", FHC se refere a políticas discriminatórias dos EUA em relação aos produtos estrangeiros, que agora o governo Trump aplica até com mais rigor. Ele explica:
"Em termos concretos: não queríamos que os americanos mantivessem subsídios à sua agricultura, nem suas políticas discriminatórias antidumping. Além do mais, havia resistência à Alca em vários setores industriais brasileiros, temerosos de perder espaços de mercado."
Sobre o acordo do Mercosul com a União Europeia, FHC aponta sobretudo possíveis resistências do governo francês:
"As tratativas que estamos fazendo para um acordo com a União Europeia começaram a ser negociadas ainda em meu governo e, pelo que leio, não está claro até hoje que os franceses a aceitem tal como nos interessa."
O problema é como compatibilizar uma economia mundial globalizada com interesses e valores nacionais:
"Isso é assim mesmo: os interesses nacionais devem-se preservar, mas há que ver como atuar em cada momento da história. O atual não parece ser claro, pois as economias estão globalizadas, mas as nações e seus povos continuam a existir: como compatibilizar interesses e valores nem sempre coincidentes? Enfrentar o tema requer visão e força política. Tomara não nos faltem."
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