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Procuradora-geral Raquel Dodge busca recondução contra a turma da Lava Jato

Tales Faria

24/03/2019 04h00

"Sou a favor da Lava Jato, mas não de interesses políticos na operação". É este o mantra repetido entre seus pares pela procuradora geral da República, Raquel Dodge, na pré-campanha pela sua recondução.

O recado tem um alvo específico: Deltan Dallagnol, o procurador da Lava Jato em Curitiba, também apontado como em plena campanha para o comando da Procuradoria Geral da República. Dallagnol conta com o apoio do ministro da Justiça, Sergio Moro.

O mandato de Dodge termina em setembro. O Ministério Público realizará eleição interna para enviar uma lista tríplice com os prediletos da categoria à nomeação do presidente Jair Bolsonaro. As votações para as listas tríplices foram criadas em 2001 pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

Não há garantias nem obrigatoriedade de que Bolsonaro se prenda à votação. E as candidaturas ainda não foram assumidas publicamente.

No dia 1º de março, o  Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) decidiu que não lhe cabe regulamentar a lista tríplice. O CSNMPF nem sequer considerou a proposta, surgida na sessão, de limitar a lista ao grupo de subprocuradores-gerais.

Com isso, abriu-se o leque para o presidente escolher entre todos os procuradores da República do país.

Além de Dallagnol, aliados de Bolsonaro defendem nomes de procuradores como Guilherme Schelb, ligado à bancada evangélica do Congresso, e Ailton Benedito, de Goiás, que ganhou fama por suas posições conservadoras.

Mas os favoritos para a votação da lista tríplice ainda são subprocuradores, como o primeiro colocado na eleição de 2017, Nicolau Dino, que foi vice-procurador-geral e é aliado de Janot, e o terceiro colocado daquela apertada votação, Mario Bonsaglia. Também está entre os favoritos o presidente da ANPR, o procurador regional José Robalinho Cavalcanti.

Michel Temer optou por Dodge, a segunda colocada, rompendo tradição iniciada no governo Lula de nomear sempre o primeiro da lista.

Dodge era (e é ainda) inimiga figadal do então procurador-geral, Rodrigo Janot, que deflagrou a delação premiada dos donos da JBS contra Michel Temer.

Janot suspeita que a procuradora-geral tenha mandado investigá-lo para usar contra seus aliados na sucessão. Chegou a suspender sua aposentadoria à espera da eleição na PGR.

A Assessoria da PGR informou que "não há qualquer investigação, sigilosa ou não, sendo conduzida pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que envolva Rodrigo Janot". (atualização às 18h26)

Raquel Dodge não tinha (e ainda não tem) fama entre seus pares de uma aliada de Temer, embora o grupo da Lava Jato tente carimbá-la.

Nascida na cidade de Morrinhos, em Goiás, e formada pela Universidade de Brasília, construiu uma carreira respeitada como procuradora durona. Voltada principalmente para a defesa de direitos humanos, especialmente casos de trabalhadores em situação análoga à escravidão.

Integrou a equipe que investigou e prendeu o esquadrão da morte comandado no Acre pelo ex-coronel e ex-deputado federal Hildebrando Paschoal, na década de 90. Hildebrando foi acusado de esquartejar adversários com motosserras.

Mas a passagem para o comando da PGR em 2017 arranhou bastante a imagem de Dodge.

Foi noticiado na época que Temer e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, fixaram-se no nome da então subprocuradora durante um jantar na casa do ministro, em 27 de junho, o dia em que saiu o resultado da lista tríplice.

Participaram do encontro também os então chefes da Secretaria Geral da Presidência, Moreira Franco, e da Casa Civil, Eliseu Padilha. Temer e Moreira estão presos por ordem do juiz Marcelo Bretas, do Rio de Janeiro, no âmbito da Lava Jato. Padilha era e é investigado nos inquéritos envolvendo o MDB.

Ficou famoso um encontro da recém-eleita Raquel Dodge com Michel Temer fora da agenda no dia 7 de agosto de 2017, às 22h, no Palácio do Jaburu. Segundo a versão de ambos, teria sido para combinar a solenidade de posse da então futura procuradora-geral, no dia 18 de setembro.

No mesmo dia do jantar, Temer havia pedido ao STF a suspeição de Rodrigo Janot no processo movido contra ele.

Especulou-se que a posse de Raquel seria no Palácio do Planalto, e não na sede da PGR, como era de se esperar. Acabou sendo na PGR mesmo [atualização às 18h13]

A guerra entre Dallagnol & Cia contra Raquel Dodge se acirrou com a proximidade da sucessão na PGR. Principalmente depois que a procuradora-geral pediu, no último dia 12, a anulação do acordo da Petrobras com a Lava Jato. Pelo acordo, os procuradores que comandam a operação iriam gerir um fundo com R$ 2,5 bilhões provenientes da devolução de desvios detectados na Petrobras nos Estados Unidos.

O STF suspendeu o acordo.

"Ela deveria ser a primeira a dar o exemplo da importância que uma instituição como o Ministério Público Federal merece" reclamou publicamente o procurador Maurício Gerum, da 4ª Região, que abrange Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Segundo ele, Raquel deixou o Ministério Público "sem voz diante das ofensas proferidas por Gilmar Mendes" durante a sessão do último dia 14 do STF em que o ministro desancou os procuradores e o tal fundo.

Embora em guerra com os procuradores da Lava Jato, Dodge ainda detém fortes apoios para permanecer no cargo. Carlos Veloso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal declara abertamente:

"Posso dizer que a recondução da doutora Raquel seria muito boa para o Brasil. Ela tem se conduzido com muita presteza, muita segurança na chefia do Ministério Público da União. Os brasileiros que são do ramo assim pensam: Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da República constitui uma segurança para o bom andamento dos trabalhos, o que redunda em benefício para a sociedade brasileira."

Líder do partido do presidente Jair Bolsonaro, o PSL, o senador Major Olimpio (SP), não acredita que Raquel será reconduzida. Segundo ele, porque não tem o apoio da categoria.

Olímpio acha que Moro insistirá em Dallagnol, mas diz torcer pela escolha de Robalinho. "Ele tem liderança entre os procuradores, é independente e equilibrado. O país precisa de equilíbrio", afirma.

O autor do requerimento de criação da CPI da Lava Toga, senador Alessandro Vieira (PPS-SE), teme que Bolsonaro escolha fora da lista tríplice. Ele disse ao blog que apresentará um projeto determinando a "indicação de uma pessoa preparada e independente, apontada dentro da lista tríplice".

Quanto à permanência de Raquel Dodge, Alessandro Vieira afirma que seria incoerência de Bolsonaro "eleger-se pregando mudança e manter indicações de Temer. É, no mínimo, inusitado".

 

 

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Sobre o autor

Tales Faria largou o curso de física para se formar em jornalismo pela UFRJ em 1983. Foi vice-presidente, publisher, editor, colunista e repórter de alguns dos mais importantes veículos de comunicação do país. Desde 1991 cobre os bastidores do poder em Brasília. É coautor do livro vencedor do Prêmio Jabuti 1993 na categoria Reportagem, “Todos os Sócios do Presidente”, sobre o processo de impeachment de Fernando Collor de Mello. Participou, na Folha de S.Paulo, da equipe que em 1986 revelou o Buraco de Serra do Cachimbo, planejado pela ditadura militar para testes nucleares.

Sobre o blog

Os bastidores da política pela ótica de quem interessa: o cidadão que paga impostos e não quer ser manipulado pelos poderosos. Investigações e análises com fatos concretos, independência e sem preconceitos.


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