Derrota na votação do abono é recado: senadores podem adiar Previdência
Tales Faria
02/10/2019 09h16
A derrubada do abono salarial ontem à noite, na votação da reforma da Previdência pelo Senado, não era esperada. Mas já havia cheiro no ar de que alguma coisa ia mal para o governo.
Pelos corredores do Congresso, os senadores reclamavam de que o Planalto não havia cumprido compromissos com votações do pacto federativo, durante a tramitação da reforma na Câmara.
Já se falava abertamente que na semana que vem, dificilmente será votado o segundo turno da reforma no Senado, mesmo que o primeiro turno de votação seja cumprido nesta semana.
O cronograma original da reforma da Previdência previa a aprovação em segundo turno até o dia 10. Agora até o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), fala em aprovação "na primeira quinzena de outubro". Ou seja, na outra semana.
Vale lembrar que dia 13 ocorre a canonização da Irmã Dulce, no Vaticano. Há uma caravana de parlamentares aproveitando a deixa para visitar a Itália. O próprio Alcolumbre estuda viajar.
O líder do PSD, Otto Alencar (BA), era um dos que reclamavam. Ele ontem até votou o abono como o governo queria, mas avisou:
"Na semana que vem será muito difícil votar o segundo turno. O governo tem agora que entregar o que prometeu e não cumpriu em relação ao pacto federativo."
Otto Alencar explica:
"A Câmara está segurando a votação de pontos sobre os quais assumimos compromissos com os governadores. Como líder do PSD, ajudei a convencer os deputados do meu partido a votar a reforma com base no acerto com a base do governo em relação ao pacto federativo. Agora é preciso cumprir o combinado."
Entre os pontos do pacto federativo a que se refere o senador, está, por exemplo a distribuição de recursos da cessão onerosa do petróleo.
"Os deputados aceitaram que os percentuais dos fundos constitucionais sejam usados como critério de distribuição dos recursos entre União, estados e municípios. Mas querem que o dinheiro vá carimbado pelas emendas dos parlamentares ao Orçamento", explicou o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE).
O que isso significa? Significa que os governadores não teriam autonomia para decidir onde aplicar os recursos da cessão onerosa destinados a seus estados.
Fernando Bezerra admite que, com isso, há risco de não se votar o segundo turno na semana que vem. Mas ainda promete tentar:
"De fato os governadores querem autonomia para gerir os recursos. E o Senado, diferentemente da Câmara, tem maior compromisso com os governadores. Aqui é a casa dos estados, da federação. Mas vamos negociar, discutir e tentar chegar a um acordo até a semana que vem", disse.
Sobre o autor
Tales Faria largou o curso de física para se formar em jornalismo pela UFRJ em 1983. Foi vice-presidente, publisher, editor, colunista e repórter de alguns dos mais importantes veículos de comunicação do país. Desde 1991 cobre os bastidores do poder em Brasília. É coautor do livro vencedor do Prêmio Jabuti 1993 na categoria Reportagem, “Todos os Sócios do Presidente”, sobre o processo de impeachment de Fernando Collor de Mello. Participou, na Folha de S.Paulo, da equipe que em 1986 revelou o Buraco de Serra do Cachimbo, planejado pela ditadura militar para testes nucleares.
Sobre o blog
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